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A sociedade brasileira dá mostras de não estar enfrentando corretamente a pandemia que aflige a humanidade. Por uma série de motivos - a dimensão continental do território, a histórica desigualdade social e econômica, as diferenças regionais - dentre os quais avulta a falta de uma liderança unificada e coerente. Os brasileiros assistem ao triste espetáculo do crescimento das mortes e dos infectados que superlotam hospitais. Não bastasse, nossa imagem no exterior sofre um processo de deterioração cujo impacto certamente será sentido na reconstrução futura.
Infelizmente, o flagelo causado pela pandemia ainda é contrastado com as terríveis consequências de uma economia destroçada no momento de decidir sobre as medidas imprescindíveis para a proteção da sociedade. Perdemos tempo precioso, produzimos crises políticas e aprofundamos o caos em todos os níveis. Socialmente, estamos sem bússola e navegando sem direção. Os homens e mulheres da média da sociedade refletem em sua ação a incoerência das lideranças, que demonstram não estar à altura dos desafios do momento, com as exceções de sempre. O risco de anomia existe e passa a fazer parte das equações dos tomadores de decisão.
Em meio a essas preocupações, há o futebol. Dirigentes do Flamengo e do Vasco da Gama estiveram com o presidente Jair Bolsonaro para tratar do retorno das atividades, conforme noticiado. Esses dois clubes cariocas, mais o Fluminense e o Botafogo, de grande torcida, estão sediados numa cidade em que a rede hospitalar sofre para atender os infectados e o número de mortes diárias não cessa de crescer. O estádio do Maracanã, palco dos mais importantes jogos no Rio de Janeiro, é utilizado como hospital de campanha.
Em São Paulo, cidade em que a situação quanto à pandemia não é melhor do que no estado vizinho, estão outros três clubes de futebol de massa - Corinthians, Palmeiras e São Paulo -, que juntamente com os cariocas, disputam a série principal do campeonato brasileiro de futebol. Na capital bandeirante, o estádio do Pacaembu igualmente serve como hospital de campanha. O mesmo acontece em Fortaleza, cidade de outros dois clubes de grande torcida - Ceará e Fortaleza -, com o estádio Presidente Vargas. Em Belo Horizonte, de Atlético e Cruzeiro, o Mineirão não foi utilizado para o mesmo fim por conta de desentendimentos políticos entre prefeitura e governo do estado.
O século XX viu o futebol se tornar parte da identidade da sociedade brasileira. Para além disso, o esporte é um negócio, movimenta toda uma cadeia de valor. É compreensível, portanto, a preocupação dos dirigentes dos clubes com o retorno das atividades. Há pessoas de carne e osso envolvidas em todo o processo econômico que dependem da realização de jogos. E as partidas podem ser realizadas em outros estádios, outras cidades, e transmitidas em tempo real, servindo inclusive para entreter os adeptos sob isolamento. O problema é a oportunidade.
No momento em que a pandemia ameaça levar ao colapso a estrutura de saúde das grandes cidades, em que ao número de mortes atinge proporções alarmantes, será correto expor todos os trabalhadores do futebol ao risco ou, noutra hipótese, afastá-los de suas famílias para que, em ambiente isolado e controlado, o negócio seja mantido e possa oferecer entretenimento aos brasileiros? Ou, ainda, é hora de discutir futebol quando os estádios estão transformados em hospitais e os torcedores temem pela vida? A resposta, obviamente, não é simples. Estamos todos desorientados.
Rogério Baptistini Mendes é Sociólogo na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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