(Foto: Reuters) |
Ao escolher o Marrocos na disputa que decidiu onde será disputada a Copa do Mundo de 2026, o presidente da CBF, Antonio Carlos Nunes, tinha certeza que seu voto seria secreto. Quando seu voto se tornou público, como previam as regras da eleição, ficou evidente que Nunes havia rasgado um acordo do qual o Brasil fazia parte. E do qual ele próprio era signatário. O combinado era simples: os 10 países da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) deveriam votar na candidatura da América do Norte, que seria vencedora, formada por EUA, México e Canadá.
A formalização do apoio estava num documento tornado público pela Conmebol no dia 13 de abril, resultado de uma reunião do Conselho da Conmebol – do qual Nunes faz parte – realizado em Buenos Aires. O acordo seria ratificado em outras dois encontros do mesmo Conselho, um 11 de maio, em Assunção, e outro em 11 de junho, em Moscou. O Coronel Nunes, de 80 anos, estava presente em todos.
A votação desta quarta-feira em Moscou se deu por meio eletrônico. Reunidos num centro de convenções, os representantes de cadaassociação nacional de futebol votavam por meio de um tablet instalado em suas bancadas. A pergunta sobre o Mundial tinha três opções: América do Norte, Marrocos ou "Nenhum deles". Minutos antes de votar, Nunes foi lembrado pela cúpula da CBF de que deveria apertar o botão "América do Norte". O aviso foi ignorado.
A diferença crucial é que esta eleição teria seus votos tornados públicos – algo que foi alardeado pela própria Fifa como uma demonstração de transparência do processo. O presidente da CBF não sabia. A jornalistas brasileiros, ele tentou esconder sua posição na eleição – "o voto é secreto" – mas acabou admitindo:
– Estados Unidos e México já fizeram Copa, não é? Seria bom se fosse Marrocos.
Na Conmebol, que costurou o apoio à América do Norte, a atitude da CBF foi entendida como uma traição indesculpável. Em troca do apoio para a Copa de 2026, a confederação sul-americana esperava ter os votos do Norte na votação para a escolha da sede da Copa de 2030, quando uma candidatura formada por Argentina, Paraguai e Uruguai deve enfrentar a Inglaterra.
O GloboEsporte.com entrou em contato com uma dezena de dirigentes brasileiros e sul-americanos em Moscou. Nenhum deles parecia exatamente feliz com a decisão da CBF de apoiar o Marrocos. Mas ninguém quis dar declarações sobre o assunto.
Fica pior. Nesta quinta-feira, portanto 24 horas depois da crise criada pelo Coronel Nunes, a Conmebol vai promover um evento em Moscou para promover sua candidatura para a Copa de 2030. Todos os dirigentes do continente estarão lá para demonstrar apoio a Argentina, Paraguai e Uruguai. Nas conversas entre cartolas, o Brasil virou piada: "Talvez seja melhor o Brasil não mandar ninguém. Podem declarar apoio ao outro candidato". Nunes foi orientado a não ir.
Entre os dirigentes da América do Norte, que ganharam a disputa, o voto da CBF também foi vista como uma traição. Em público, os chefes da candidatura da Concacaf tentaram ser suaves. Em privado, cobraram o Brasil por um voto com o qual eles contavam. Na cúpula da Fifa, o voto de Nunes no Marrocos foi recebido com mais perplexidade do que qualquer outra coisa.
Os marroquinos gostaram. Entenderam o voto da CBF como uma forte declaração de apoio. Afinal, não foi apenas um voto isolado: foi o voto de um país importante como o Brasil, que teve a coragem de rasgar um acordo assinado com seus vizinhos de continente para demonstrar sua confiança na capacidade de um país africano organizar a Copa do Mundo.
A falta de uma explicação convincente por parte da CBF alimentou várias especulações, cada uma com algum grau de verossimilhança, mas nenhuma factível. Uma: foi uma retaliação ao fato de os EUA e México não terem aceitado disputar a Copa América do Brasil em 2019. Outra: Nunes não votou nos EUA como uma vingança contra o país que encerrou a carreira de seu mentor, Marco Polo Del Nero.
Instado por dirigentes da própria CBF a se explicar, o Coronel Nunes primeiro tentou jogar a culpa nos outros dois representantes do Brasil no Congresso da Fifa – os chamados "delegados", que sentam ao lado do presidente da cada federação nacional. A desculpa não colou, e Nunes então repetiu a versão que dera aos jornalistas mais cedo: votou no Marrocos porque eles nunca haviam abrigado uma Copa antes.
Em nenhum momento ele pareceu preocupado com as consequências de sua traição a um acordo com a Conmebol. Nunes chegou a citar o fato de que a América do Norte venceu a disputa por uma larga vantagem (134 a 65) para minimizar o próprio voto.
Sem uma explicação razoável a oferecer, coube aos bombeiros da crise tentar vender a ideia de que o presidente da CBF votouinexplicavelmente por conta própria no outro candidato, que o indicente não teve consequências práticas, que a história não vai se repetir. A maior esperança de quem tenta conter os danos é que o início da Copa do Mundo esfrie o assunto.
Nunes foi eleito vice-presidente da CBF em 16 de dezembro de 2015, quando Marco Polo Del Nero precisou se licenciar para se defender das acusações das quais ainda é alvo nos EUA – por sinal, as mesmas pelas quais José Maria Marin foi preso. A manobra que resultou na eleição de Nunes era uma maneira de Del Nero continuar mandando mesmo enquanto estivesse afastado da confederação.
Del Nero caiu, banido para todo o sempre do futebool. Nunes ficou. E será presidente da CBF até abril de 2019, quando termina seu mandato-tampão. Normalmente cercado de assessores, o Coronel tem andado solto pela Rússia.
– Eu disse ao presidente da Fifa [Gianni Infantino] preparar a taça para o Brasil. Eu quero levantar a taça – declarou no início da semana, após participar da mesma reunião em que a Conmebol ratificou o apoio a candidatura dos EUA para a Copa do Mundo de 2026.
Em abril desde ano, a CBF elegeu Rogério Caboclo como presidente – mas para um mandato que só começa em abril de 2019. Até lá, e enquanto isso, quem manda é o Coronel. Nunes tem a caneta de presidente, ocupa a sala da presidência e tem os poderes para demitir quem quiser.
Globo Esporte
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