(Foto: Reprodução) |
Por Nicholas Araujo
Redação Blog do Esporte
A Copa do Mundo de 2018 não é apenas um megaevento esportivo, mas também um grande espetáculo para a política russa. Ainda sobre os efeitos da antiga União Soviética, o país tenta mostrar ao mundo que mudou, que é acolhedor, mas emperra no quesito diversidade.
O Blog do Esporte entrevistou com exclusividade o professor Kai Kenkel, do Instituto de Relações Internacionais da PUC, que analisou diversos pontos da política russa como relacionamento com a classe LGBT, torcidas organizadas, relações interpessoais e visibilidade mundial. Kenkel possui graduação em Relações Internacionais pela Johns Hopkins University e mestrado e doutorado em Relações Internacionais pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Genève.
Blog do Esporte: Em sua visão sobre relações internacionais, o que a Copa do Mundo significa para a Rússia?
Kai Kenkel: Todo país anfitrião de um megaevento desportivo espera aproveitar a cobertura do evento para mandar mundo afora uma imagem positiva, cuidadosamente construída. No momento, a Rússia está seguindo uma política externa de enfrentamento com o Ocidente e de tentar alcançar de novo o papel mundial exercido pela URSS na Guerra Fria. Vai querer se mostrar como um país moderno, de grande cultura, poderoso e acolhedor. Mais o quesito "acolhedor" vai enfrentar vários problemas. A Rússia possui legislação que criminaliza a homossexualidade e possui um enorme problema de racismo no seu futebol. Ao invés de aproveitar a Copa para amenizar essa imagem, o que seria nos olhos do governo uma concessão ao Ocidente, a mensagem foi de que a Rússia não garantirá a segurança de torcedorxs abertamente gays/lésbicas ou de minorias visíveis.
Com a seleção que a Rússia tem atualmente, brigar pela Copa em si, acredito, será difícil. O País anfitrião sempre é visto de bons olhos pela FIFA, mas como no caso da Coreia do Sul ou da África do Sul, fica a ver se bastará isso para a Rússia levar a Copa para casa.
Blog: A política russa proíbe muitos atos da classe LGBT. De que maneira um evento com a magnitude da Copa do Mundo pode "amenizar" esta política rígida?
Kenkel: A Rússia poderia usar a Copa para amenizar essa imagem, da mesma forma que o Qatar se propõe já de fazer em 2022, mas aparentemente não o fará. Do outro lado o grande problema que a Rússia tem com os hooligans e as torcidas organizadas violentas - lembramos que na Europa do Leste esses também são o núcleo de organizações políticas nacionalistas de direita, muitas vezes - aparentemente está sendo enfrentado. As forças de segurança fizeram um esforço de intimidar esses grupos e deixar claro que serão enfrentados com a força.
Hooligans (Foto: Reprodução/Google) |
Blog: Em sua opinião, o Brasil vende muito rápido seus jogadores para o exterior? De maneira o Brasil conseguiria valorizar os "meninos da base"?
Kenkel: Na esteira da 7x1 a tentação era muito grande de dizer que o Brasil tinha que ser mais como a Alemanha na sua preparação... Agora, o Brasil vai ganhar Copas sendo o Brasil, e não tentando ser a Alemanha. Porém tem alguns elementos da abordagem alemã, ou mais precisamente de vários países concorrentes na Europa, que, acho eu, ajudariam o Brasil a melhorar a estruturação do seu futebol de base. A Bundesliga obrigou todos os clubes das 1ª e 2ª divisões a criar escola de base como condição da licença. A Federação criou centros de excelência e também incentivou a formação de treinadores pelos cursos FIFA e dela mesma (ter feito isso explica parcialmente o sucesso da Islândia também).
No mesmo momento, de certa forma, começaram a criar um jeito alemão de formar o jogador, trazendo, graças a Deus, não só fitness e tática, mas um incentivo à criatividade e à liberdade individual de jogo.
Isso começou depois da horrorosa Eurocopa de 2000 e trouxe frutos uma década e meia depois. Agora, no Brasil, a tradição não é de encarar um planejamento a longo prazo dessa forma. O incentivo econômico para os clubes de vender os jogadores para a Europa é simplesmente tão grande que eles pensam mais no potencial lucro do que no desenvolvimento do jogador. A CBF também está preocupada, digamos, com outras coisas do que o futebol de base. A longo prazo, porém, o modo de assegurar tanto o lucro quanto o desenvolvimento é de adotar um planejamento de longo prazo. O Brasil está numa situação única entre as grandes potências do futebol no sentido de não ter que se preocupar com o surgimento de gênios da bola, sempre terá, em terras canarinhas, e de ter que compensar isso com uma tática muito rígida na seleção. Porém a experiência com o total atraso (ou falta) de tática do Felipão mostrou que a tática tornou-se mais importante internacionalmente, e que não se vive mais só de craque.
Um sistema de base organizado aumentará ainda mais o potencial do Brasil em dominar o futebol internacional. Cabe levantar aqui também a situação totalmente desamparada no futebol feminino no Brasil. As mulheres da seleção brasileira, fora algumas que jogam no exterior, vivem praticamente de esmolas e sem campeonato sério à altura do país, enquanto as alemãs, suecas, norte-americanas recebem salários altos, respeito e acumulam experiência de jogo, por exemplo, na sua própria Champions League continental. É urgentemente necessário instituir um apoio sério ao futebol feminino no Brasil--saindo da situação de desrespeito atual, com um apoio de base sério, o Brasil nunca perderá mais um único jogo!
(Foto: Goal.com) |
Blog: Tivemos nesta quarta-feira (13) a aprovação de EUA, Canadá e México como sede da Copa do Mundo 2026, já com o novo formato com 48 seleções. Isto deve aproximar as relações de países em conflitos, como o Irã, por exemplo?
Kenkel: O esporte, e também o futebol, tem um potencial muito grande de aproximação, de reconciliação. te mostra que o outro também produz algo bonito, te ensina a reconhecer semelhanças com o suposto inimigo. Não acredito que o fato do torneio estar nos EUA vai gerar grandes mudanças na política internacional--primeiro porque o futebol não é o esporte número um lá, mas também porque num país de imigrantes como os EUA e Canadá, todos os time terão sua torcida local (Los Angeles é a segunda-maior cidade persa do Mundo). Os EUA não criarão problemas para seleções de Estados adversários jogarem no país. Talvez o que deveríamos nos perguntar é se, após a passagem do Trump pela presidência norte-americana, o Canadá e o México não precisariam se reaproximar com os EUA...
Blog: Existe um grande desinteresse do brasileiro pela Copa? Fora o vexame de 2014, o que leva o brasileiro a este possível desinteresse?
Kenkel: O interesse na Copa na minha experiência é bem maior no Brasil do que por exemplo no meu país, a Alemanha. Os alemães também se empolgam, mas são jogos de futebol. Três Copas no Brasil me mostraram que é levada muito mais a sério no Brasil - junta-se à torcida pela seleção muitas coisas que não são de futebol: política, economia, o orgulho nacional em geral. Na Copa, o Brasil compete com os grandes e ganha. É a única superpotência inconteste. Então o desempenho da seleção está muito mais ligado à identidade nacional, à autopercepção, do que em muitos outros lugares. Não ganham ou perdem só 23 milionários mercenários de camisa amarela, mas 200 milhões de brasileiros.
Agora, numa época em que o país está sofrendo uma grave crise política, econômica, de segurança e até, na visão de alguns, moral, a empolgação é menor. Há duas razões, ao meu ver: Primeiro, a crise abafou a alegria (até pelas possibilidades financeiras de muitos brasileiros, a camisa oficial da seleção custa a metade de um salário mínimo), numa época de greve, tiroteio, crise de legitimidade na política e corrupção. A Copa de 2014 queimou um pouquinho a imagem do torneio também: obras enormes inacabadas como o metrô carioca, estádios bilionários sem uso, e - com mil desculpas - o próprio tamanho inesperado do 7x1 em casa tiraram o fascínio da Copa para muitos. Do outro lado, temos a politização do futebol: a corrupção na CBF e sobretudo a conexão da camisa da seleção com os paneleiros de 2013/2014 e o impeachment da Dilma Rousseff. Tem muitos que não torcerão pela Seleção por razões políticas, por não quererem, por exemplo, que na êxtase de um possível Hexa se esqueçam os grandes problemas que o Brasil tem que enfrentar ainda. O sentimento de torcer contra a própria seleção por razões políticas é muito menos presente nos concorrentes europeus.
Blog: Como a decisão Bosman interfere na Copa do Mundo e no futebol?
Kenkel: A decisão Bosman - de livre circulação da mão de obra dentro da Europa - impactou bastante no futebol europeu e mundial. Mencionei que a Alemanha e outros países europeus criaram sistemas de academias para a base. Isso se tornou uma necessidade também em função de Bosman. Permitindo a circulação mais fácil de jogadores do resto da Europa para todas as ligas da UE, por exemplo, na Bundesliga tornou-se bem mais fácil comprar um jogador "pronto", digamos, checo ou croata, de 25-27 anos, do que investir ao longo de anos na formação de um alemão ou um inglês para a Premier League. Isso deu mais experiência em grandes ligas para jogadores de pequenos países e criou mais paridade entre as seleções--as menores tornaram-se melhores e fecharam a distância para as Itálias e Alemanhas. Esse efeito se estende também às seleções africanas, por meio da dupla cidadania de jogadores criados na "metrópole" e que voltam para as seleções dos países dos pais. Ou melhoram o desempenho de seleções como França e Portugal.
Blog: Se baseando nas relações interpessoais, o que esperar das próximas Copas do Mundo?
Kenkel: Pessoalmente, eu gostaria de ver times de fora da Europa e da América do Sul se dando bem, sobretudo da África, como Gana, Nigéria, Mali, Costa do Marfim. No mesmo momento de um ponto de vista futebolístico, sou contra a expansão do torneio para 48 países. A Eurocopa com 32 já mostrou como isso pode gerar partidas sem público e muito valor desportivo. Está sendo sempre mais difícil fazer megaeventos esportivos em sistemas democráticos, simplesmente, o impacto na paisagem urbanística e alto demais, e o custo os cofres públicos. Várias cidades na Europa já recusaram eventos como as Olimpíadas em referendos. O custo humano da Copa no Qatar me preocupa (trabalhadores mortos na construção e o acolhimento de fãs LGBT, judeus ou negros). Em termos do que rola no gramado, acho que vivemos uma época de mais paridade e de menos dependência de craques e mais impacto da capacidade de montar um time coeso. A França e a Espanha são os meus favoritos para essa Copa, com a Bélgica e a Colômbia como zebras.
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