FIA muda regras de embreagem, e largadas prometem fortes emoções em 2017

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Vamos começar com dois exemplos, dentre tantos, e da mesma forma decisivos. Mais para a frente você vai entender o porquê. Largada do GP de Bahrein do ano passado. O pole position, Lewis Hamilton, tem dificuldades com o sistema de largada do modelo W07 Hybrid da Mercedes, inicia mal a corrida e termina a primeira volta em sétimo. É um problema recorrente.


O companheiro de equipe, Nico Rosberg, segundo no grid, vence a segunda etapa do campeonato e soma 25 pontos. Hamilton termina ainda em terceiro e ganha 15 pontos, ou 10 a menos no caso provável de vitória.

GP da Itália, também em 2016. Hamilton, de novo na pole, não realiza com perfeição o procedimento de largada do W07 Hybrid e perde várias colocações. No fim da primeira volta é o sexto. Mais uma vez Rosberg se aproveita da situação, agora um erro assumido do piloto inglês, e conquista sua sétima vitória na temporada. Soma mais 25 pontos, enquanto Hamilton, em excelente recuperação, recebe a bandeirada em segundo. Adiciona 18 pontos. Mais uma vez os 25 da vitória eram bem possíveis.

Nessas duas provas Hamilton deixou de somar 17 pontos, 10 no Circuito de Sakhir, em Bahrein, e 7 em Monza, na Itália.

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Por qual razão? No primeiro caso, porque o sistema de embreagem do W07 Hybrid não funcionou corretamente, na largada, segundo explicou Toto Wolff, diretor da Mercedes. E no segundo, como o próprio Hamilton reconheceu, “não agi como deveria nos comandos”.

Avancemos até a etapa de encerramento do campeonato, a 21ª do calendário, o GP de Abu Dhabi, disputado dia 27 de novembro, no Circuito Yas Marina. Rosberg e Hamilton vão lutar pelo título. O alemão se apresenta numa condição mais favorável, com 367 pontos, enquanto Hamilton, 355. São importantes 12 pontos de diferença. Só a vitória não garante o quarto título a Hamilton. É preciso que Rosberg também não fique entre os três primeiros.

Por mais que Hamilton, líder desde a largada, desta vez desfrutando bem da pole position, contivesse seu ritmo, para fazer com que Sebastian Vettel, Ferrari, e Max Verstappen, RBR, pudessem tentar ultrapassar Rosberg para o alemão não terminar em terceiro, a tática não deu certo.

Hamilton venceu, mas com o segundo lugar Rosberg não apenas celebrou o primeiro e merecido titulo da carreira, repetindo o feito de seu pai, Keke Rosberg, em 1982, com Williams, como, satisfeito, decidiu encerrar a carreira na F1, ao menos como piloto.

No frigir dos ovos Rosberg terminou o mundial com 385 pontos enquanto Hamilton, 380. Apenas 5 pontos os separaram. É bem menos dos 10 perdidos pelo piloto inglês pelo problema na embreagem do W07 Hybrid no GP de Bahrein e os 7 pontos do equívoco em Monza.

Esses dois exemplos, dentre tantos na história recente da F1, dimensionam bem como as largadas são decisivas, como condicionam o resultado final das corridas e por vezes do mundial.

Mudanças decisivas

Avancemos, agora, até o campeonato que irá começar em breve, dia 26 na Austrália. Pois nesta temporada há dois fatores que nem todos deram a devida atenção e que, provavelmente, vão determinar o vencedor de uma ou outra etapa do calendário. E, por que não?, como vimos em 2016, apontar o campeão do mundo.

O primeiro é a nova restrição imposta pela FIA ao sistema de embreagem usado até o GP de Abu Dhabi descrito há pouco. Só para lembrar, nos monopostos de F1 a embreagem é acionada por uma alavanca localizada atrás do volante. O piloto pode comandá-la com os dedos, sem tirar a mão do volante.

A partir do GP da Bélgica de 2015, foi proibido aos times o uso de duas alavancas de embreagem com funções distintas. A do lado esquerdo controlava o chamado bite point, ou seja, aquele ponto onde a embreagem deixa de agir e o carro começa a tracionar, que chamaremos de ponto de tração.

Até a prova anterior a de Spa, em 2015, na Hungria, o piloto regulava o ponto de tração, na hora da largada, a partir das informações passadas por seus técnicos. Os carros deixavam os boxes para a volta de alinhamento no grid e durante essa volta os engenheiros detectavam o grau de aderência do asfalto e inseriam em um programa com outras variáveis, como as características do pneu instalado no carro, seu grau de desgaste (eram os mesmos da classificação) e temperatura ambiente e da pista.

Esse estudo, realizado a toque de caixa, dava aos engenheiros ponto de tração, o bite point, que faria o monoposto se deslocar sem fazer as rodas girarem em falso, ou patinarem, ou não acelerar com todo o seu potencial. O piloto era informado via rádio como agir nos comandos do volante, onde se encontram os botões de ajuste das funções. A partir daí, mantinha a alavanca esquerda no ponto indicado pelos técnicos e a da direita puxada no curso máximo.

Quando as luzes vermelhas apagavam, tudo o que o piloto tinha de fazer era soltar subitamente as duas alavancas e colocar as duas mãos no volante. Em seguida, se preocupar apenas em trocar as marchas na sequência normal, respeitando o limite de giros, indicado por luzes do volante, e administrar a disputa em si. A importância do piloto nesse procedimento decisivo no resultado da competição, como vimos, era pequena.

Menos tecnologia

A FIA proibiu a partir do GP da Bélgica a definição de funções diferentes para as duas alavancas. Deixou de ser possível à da esquerda manter a embreagem no bite point. A FIA foi além: proibiu a conversa via rádio entre o piloto e seus engenheiros, para não ser informado sobre como melhor ajustar a embreagem pouco antes da largada. Os carros teriam de deixar os boxes para a volta de alinhamento com a regulagem da embreagem, ou com o bite point, definido.

Mas os comissários viram que a restrição não impediu de as escuderias seguirem prestando ajuda a seus pilotos. Passaram a usar curso longo para as alavancas, a fim de reduzir a sensibilidade da embreagem, tornar menos crítico seu acionamento e, mais importante, nem todas largadas excepcionais, com o piloto ganhando várias posições, podiam ser atribuídas a sua maior habilidade. Deveria haver, em certos casos, algum auxílio de engenharia por trás daquela eficiência toda. De difícil detecção.

Este ano a FIA tornou a possibilidade de interferência externa ainda mais complexa. Em primeiro lugar, é permitido agora apenas uma alavanca, não duas, mesmo que ambas exercessem a mesma função, como imposto em agosto de 2015. O curso máximo da alavanca está limitado em 8 centímetros.

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Essa alavanca deve estar posicionada a no mínimo 5 centímetros de outros comandos, como a alavanca do câmbio, destinada ao piloto trocar as marchas, posicionadas logo abaixo da alavanca da embreagem. O objetivo desta medida é dificultar a marcação o bite point.

As equipes, nem todas, estavam fazendo marcas em algum componente nessa área para o piloto alinhar um risco na alavanca da embreagem, por exemplo, com outro risco na alavanca do câmbio. Isso lhe indicaria que o sistema funcionaria melhor na largada. Ao separar mais as duas, com o maior distanciamento imposto agora, essa referência fica menos precisa.

Na prática, caberá, ao menos teoricamente, 100% ao piloto detectar o ponto do curso que a embreagem detém e libera o carro para se deslocar. Essa é a meta da regra, repassar ao piloto o máximo possível da responsabilidade pela manobra da largada, um dos diferenciais no processo de seleção desses profissionais mas que, até há pouco, havia sido assumida, em grande parte, por seus engenheiros.

Pilotos já testaram

Nos testes de Barcelona, nas duas séries de quatro dias, no início do mês, todos os pilotos, sem exceção, até os da McLaren-Honda, com suas eternas dificuldades na unidade motriz, treinaram largadas a fim de conhecer com devem proceder, agora, com a nova restrição da FIA.

Felipe Massa comentou para o GloboEsporte.com: “As largadas estão mais difíceis, exigem maior sensibilidade do piloto. Poderemos ver diferenças grandes entre os pilotos, ao menos no início, mais que nos últimos anos”. O piloto da Williams evitou comentar se a medida é boa para ele, conhecido como um largador emérito. Diz apenas que pode ser útil como também prejudicá-lo.

Pascal Wehrlein, da Sauber, com uma temporada de experiência na Manor, em 2016, falou a esse respeito: “Agora é como nos carros de série. Temos de encontrar o ponto (bite point) sozinhos”.
Falamos em dois fatores decisivos este ano. Uma é o novo sistema de embreagem, como descrito. O outro é a provável natureza das corridas. Quase todos os pilotos têm sinalizado que será mais difícil ultrapassar no campeonato que começará em pouco mais de uma semana. Confirmado, eleva ainda mais a importância das largadas.

Os carros e pneus mais largos estão impedindo de os pilotos seguirem de perto o adversário à frente, por perda de pressão aerodinâmica. “Meu carro era 1,5 segundo mais rápido que o do Ericsson (Sauber) e eu não tinha como passá-lo”, disse Massa, depois de perder tempo atrás do sueco na sua simulação de corrida no Circuito da Catalunha.

Soma-se a isso o menor espaço de frenagem, lembrado pelo diretor da Pirelli, fornecedora de pneus da F1, Mario Isola: “A velocidade de aproximação das curvas está menor, por causa do maior arrasto (resistência ao movimento) gerado pelos carros e pneus mais largos. Ao mesmo tempo há agora maior área de contatos dos pneus com o asfalto. Os pilotos estão freando alguns metros depois do que faziam”. Os novos pneus são 6 centímetros mais largos na frente e 8 atrás.

Um pit stop, apenas

Não é tudo. O mesmo técnico da fornecedora de pneus da F1 explicou: “Os novos pneus não têm a elevada degradação de antes, foi isso que nos pediram. Estamos vendo aqui em Barcelona, pista exigente para os pneus, que o desgaste não é elevado. Faz sentido esperarmos corridas, a maioria, com apenas um pit stop”.

Compreendeu, melhor, o peso que as largadas vão ter este ano, no caso de proceder tudo o que pilotos, engenheiros e dirigentes estão dizendo? Primeiro, o desafio de o piloto estar sozinho na busca do ponto de tração na alavanca de embreagem. É bem mais complexo que num carro normal. Depois, a pressão a que estará submetido por saber que sua classificação final dependerá muito dessa manobra, a largada, pela esperada dificuldade de ultrapassar.

Mais: será bem menos frequente poder superar um adversário nas operações de pit stop pela redução do número de paradas nos boxes, decorrência do uso de pneus de vida útil mais longa nesta temporada.

“Good, good (bom, bom)”, definiu Niki Lauda, diretor da Mercedes, sobre o novo desafio. Na sua época, de 1971 a 1985, na March, BRM, Ferrari, Brabham e McLaren, o piloto controlava a embreagem com o pé esquerdo no pedal e não havia auxílios eletrônicos. “E a embreagem queimava mais facilmente que hoje”, disse.

Rob Smedley, diretor de operações da Williams, fez um comentário muito importante: “Mudam algumas coisas, sim. Podemos ver mais más largadas nas primeiras corridas. E as sessões de classificação passam a ser ainda mais valorizadas”. Se tudo for mesmo constatado nos primeiros GPs, é de se esperar que alguns times passem a priorizar ainda mais a preparação dos carros para a definição do grid, já que depois poderá ser difícil perder a colocação durante a prova.

Como Lauda, o diretor técnico executivo da Haas, o italiano Gunther Steiner, vê com bom olhos a mudança. “Tudo o que valoriza o trabalho do piloto, como parece ser o caso dessa proibição de ajudá-lo nas largadas, é bom para a F1.”

Na madrugada de sábado para domingo, às 2 horas, horário de Brasília, quando as luzes vermelhas apagarem no Circuito Albert Park, em Melbourne, começaremos a ter respostas para muitas perguntas que o novo regulamento, em geral, deixou no ar. Primeiro à respeito das largadas. E depois, ao longo das 58 voltas no traçado de 5.303 metros, entenderemos melhor se as projeções sobre o andamento da disputa estão corretas. Uma coisa, no entanto, parece certa desde já: a tendência é o pacote todo ter grande impacto na competição.

Globo Esporte

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