Imaginem o seguinte cenário: o Cruzeiro, que liderou a maior parte do Campeonato Brasileiro, chega para a última rodada com 4 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, o São Paulo. Porém, ainda não pode ser declarado campeão. Os cartolas do futebol nacional resolveram criar uma nova regra para dar “mais emoção” ao certame: a última rodada vale o dobro de pontos. O time paulista vence, conquista 6 pontos, e os mineiros marcam passo e perdem o título. Este cenário absurdo (ainda) não foi pensado para o futebol, mas é a realidade da F1.
A artimanha lembra as competições de programas de auditório. Lembram do “Passa ou Repassa”? Um time poderia vencer todas as provas iniciais, mas tinha aquele circuito final que valia, tipo, 1 milhão de pontos. Na prática era como se o resto servisse apenas para treino, enquanto somente o teste final decidiria qual equipe venceria o programa. Eu, uma criança ainda com o senso de justiça em formação, achava aquilo muito injusto.
Culpa sua, Vettel! Não fosse o alemão ganhar tanto e tão fácil entre 2010 e 2013, pontuação dobrada não teria sido adotada
Claro que, no caso da F1, o GP de Abu Dhabi não vale tanto assim. Não são 1 milhão de pontos, apenas 50. Mesmo assim, pode ser o suficiente para produzir uma aberração no Mundial de Pilotos. Como a diferença é de 17 pontos, no caso de uma prova louca em que Hamilton abandone, por exemplo, bastaria a Rosberg chegar em 5º para levar 20 pontos e ser campeão. No sistema antigo, ele precisaria de um 2º lugar, no mínimo, para somar 18 pontos e levantar a taça.
Por sorte, já que Rosberg venceu o GP do Brasil, Hamilton não chega ao último GP do ano com uma vantagem superior a 25 pontos. Neste caso, a regra dos pontos dobrados seria uma clara intervenção no campeonato, uma mudança no curso natural do esporte. Se Hamilton tivesse vencido com Rosberg em segundo no GP do Brasil, o inglês seria campeão, na regra antiga.
Ou seja, já imaginaram como a corrida seria completamente outra, neste caso? Aposto que se Hamilton tivesse chances de liquidar o campeonato em Interlagos, certamente teria ido para cima com todas as suas forças. Não faria a corrida cautelosa que fez. O público brasileiro perdeu. Os fãs que viram a corrida ao redor do mundo perderam. Os patrocinadores ganharam. É justo? Não.
O sistema de pontuação dobrada foi criado com o fantasma Vettel em mente. O tetracampeão, que venceu a temporada passada no GP da Índia, ainda faltando 3 corridas para o fim do campeonato, fez com que o interesse comercial das provas restantes fosse diminuído. Foi então que alguém teve a brilhante ideia – plim! – sugerir que a última corrida do ano valesse dobrado.
Se a gente for mais fundo na análise, tem mais coisa ainda. O GP de Abu Dhabi é importantíssimo para a Ferrari. A escuderia inaugurou um parque temático ao lado do circuito. Lá naquela parte do mundo, onde o clima é seco, mas transbordam dólares por todos os lados, é fundamental para a marca de carros de super luxo promover o seu mundo mágico. Azar dos fãs que são meros mortais, apenas quem tem dinheiro para ir até Abu Dhabi vai ver a definição ao vivo do campeão de 2014.
Terra
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