Confusões com Tigre e Arsenal são alertas para Copa, dizem argentinos















Confusões como a do Arsenal em Belo Horizonte assustam argentinos em relação à Copa do Mundo

O Tigre veio ao Brasil jogar a final da Copa Sul-Americana e saiu com acusações e apenas o primeiro tempo disputado. O Arsenal fez caminho parecido e só pôde voltar para casa em paz depois de ter pago uma multa pelo confronto com a polícia mineira. Mesmo com parcela de responsabilidade pelos incidentes, os argentinos se assustaram com as brigas, que serviriam de alerta para a Copa de 2014.

"Foi uma advertência para o Mundial. Criou-se uma preocupação se vai cair um confronto com brasileiros, pela hostilização. Podia ter sido até pior, porque Tigre e Arsenal são pequenos e não têm uma grande caixa de ressonância", disse Walter Vargas, colunista do diário "Olé" e comentarista da ESPN argentina.

O comentário do jornalista resume um pouco do sentimento que se nota dos argentinos em relação ao futebol brasileiro. Se a convivência para turismo, negócios e entretenimento é das melhores, quando a discussão vai para os campos a rivalidade se acirra além do jogo em si e tem gerado dor de cabeça para os nossos vizinhos.

"O Brasil criou uma espécie de competição. Parecia que apostavam que Neymar ia superar Messi, por exemplo. Agora ele [Neymar] não está no melhor momento. Nada grave, ele é novo, mas isso vira um choque [para os brasileiros]. A figura de Messi fica mais como foco dos ataques", disse Hugo Lovisolo, sociólogo argentino que vive no Brasil desde 1976 e dedicou parte de sua vida acadêmica aos estudos sobre as relações entre os dois países.

O COL (Comitê Organizador Local) da Copa de 2014 não descarta a possibilidade de as confusões respingarem no Mundial, mas defende sua atuação. "O COL e a Fifa reiteram que as medidas de segurança para a Copa das Confederações da FIFA e para a Copa do Mundo da Fifa são muito diferentes às de um jogo de campeonato normal. Além disso, os espectadores dos jogos da Copa do Mundo da Fifa são geralmente uma mistura de fãs internacionais e locais, todos com o sonho de ter uma experiência única no estádio. O grupo de torcedores, portanto, é geralmente muito diferente daquele que segue os jogos das ligas regulares", disse a entidade, se eximindo de explicações sobre as confusões recentes (leia o comunicado completo no box abaixo).

Ao menos para Tigre e Arsenal o trauma foi grande. A reportagem esteve em Buenos Aires há três semanas, procurou a diretoria de ambos e não foi atendida. O diretor de comunicação do Arsenal chegou a negar qualquer contato justamente para evitar relação com brasileiros, tentando esquecer o ocorrido em Belo Horizonte.

A sensação se estende para torcedores e dirigentes de outros clubes. Na partida entre Boca e Corinthians, na Bombonera, funcionários do clube argentino reclamaram bastante do tratamento que os jornalistas do país receberam no ano passado, na final contra o mesmo Corinthians no Pacaembu.

No jogo de volta das oitavas deste ano, foi a vez dos torcedores serem submetidos a um procedimento curioso. A título de teste para a Copa do Mundo, policiais militares identificaram com vídeo e foto cada um dos 1,6 mil argentinos que viram o jogo para torcer pelo Boca, com a justificativa de que isso ajudaria a conter tumultos no estádio. Os outros 36 mil corintianos que estiveram no local, no entanto, não passaram pelo mesmo processo.

"Essa série de incidentes põe um pouco de medo sobre a Copa", diz Pablo Alabarces, sociólogo argentino que também se dedicou a estudar a relação de seu país com o Brasil. Ele, no entanto, não crê que isso seja definitivo. "Há muita ilusão [expressão do idioma espanhol que pode ser traduzida como empolgação] com o Mundial, que é o primeiro desde 1978 disputado tão perto", completou ele.

Historicamente, a rivalidade alimentada pelo brasileiro com o país vizinho não é recíproca em intensidade. "Nós implicamos mais com eles do que eles conosco", escreveu o sociólogo brasileiro Ronaldo Helal em sua extensa pesquisa sobre como os dois países se relacionam no futebol.

Para elaborar seu estudo, publicado em 2006, ele mudou-se para a Argentina e analisou a imprensa local de 1970 até 2002 e na cobertura brasileira de 1986 a 2002. Ele concluiu, entre outras coisas, que a visão verde-amarela da rivalidade emprega muito mais noções de repulsa e ódio, que podem se refletir em algumas atitudes em campo.

"Por agora, esse sentimento [anti-argentino dos brasileiros] é retórico, é no universo simbólico, mas acho que pode sair. Pode sair por uma fresta e entrar no campo do real", diz Lovisolo, questionado sobre os casos de conflitos recentes.

Alabarces não vê preconceito nos conflitos que envolveram Tigre e Arsenal. Para ele, trata-se de um retrato da cultura do futebol sul-americano. "A violência se explica por razões da violência. A rivalidade é só um agregado", diz o sociólogo, que argumenta relembrando casos de brigas parecidas que envolveram chilenos ou uruguaios.

Também é consenso que os personagens envolvidos têm enorme parcela de culpa. No caso do Tigre, as provocações aos são-paulinos começaram ainda no gramado e ganharam força na descida para o vestiário. Os jogadores entraram em conflito com seguranças do Morumbi e os dois lados acusam o outro de terem passado do ponto, o que forçou a intervenção policial.

"No caso do Tigre, a participação da polícia não teve nada que possa ser criticada. A polícia constatou que estava tendo um problema no vestiário. Ela entrou para separar como contenção e eles foram para cima da polícia. No caso deles não tem o que se falar da polícia", disse Francisco Manssur, assessor da presidência do São Paulo, sobre o assunto.

Já o Arsenal entrou em conflito após o apito final. Depois de uma goleada de 5 a 2 sofrida contra o Atlético-MG, os jogadores foram cobrar o árbitro do confronto e entraram em um conflito violento com a polícia. A briga terminou com cadeiradas nos oficiais e prisões de alguns atletas, que só saíram da delegacia quando o Atlético-MG pagou R$ 38 mil de multa. Além disso, sete jogadores foram autuados por crimes de lesão corporal e desacato.

"Os jogadores também têm de demonstrar que são mais machos que a polícia. Não há uma linha de racionalidade", disse Alabarces. O fenômeno da interferência na partida é comum no futebol argentino. Em 2007, uma TV inglesa produziu a série "The Real Football Factories", que viajou por oito países pelo mundo mostrando detalhes do comportamento das organizadas e seus hooligans em cada lugar.

Na Argentina, o apresentador Danny Dyer esteve no clássico entre Independiente e Racing quando a torcida do Racing, vendo seu time perder por 2 a 0, entrou em conflito com a polícia e fez o jogo ser paralisado. "A torcida pensa: 'antes que marquem gols vamos terminar o jogo'. Porque aqui na Argentina os torcedores acham que podem jogar. Essa é a maneira deles de jogar", disse então o jornalista Martin Souto, da TV TyC Sports.

"Há uma necessidade de protagonismo. Esse sentimento é novo, tem a ver com o crescimento das barras [organizadas argentinas]. Não sei se isso passa para os jogadores. Creio que sim, mas não é normal", disse Walter Vargas, do "Olé". "Isso ocorre muitíssimo. É como quando o jogador simula que não pode seguir em campo. É a pouca noção de fair play que temos", avalia Alabarces.

Essa relação entre torcida e jogadores, é claro, não é tão simples assim. "Eu não sei se isso acontece só na Argentina. No Brasil, por exemplo, nós já vimos várias vezes isso acontecer com organizadas", diz o sociólogo Ronaldo Helal.

Também influencia o comportamento dos argentinos a presença da polícia nos estádios. No país vizinho, não há a militarização da polícia e a relação com os oficiais é bem diferente da que existe no Brasil.

"O argentino está acostumado com a polícia daqui. Depois da ditadura, há muito menos respeito por eles. É uma briga entre machos que querem se provar machos", define Alabarces. "A relação com a polícia é de desconfiança. Os argentinos têm especial temor de serem atacados", avalia Walter Vargas.

No Brasil, não é incomum que a polícia exagere na contenção dos torcedores. No último domingo, por exemplo, uma tentativa de repressão da violência na Vila Belmiro, antes da final do Paulista entre Santos e Corinthians, terminou em uma enorme confusão com três presos e um cenário de guerra, panorama que costuma tirar os argentinos do sério.

UOL Esporte



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