Em entrevista ao Terra, Pepe relembrou os vitoriosos anos da "Era Pelé"
O "maior artilheiro da história do Santos" como Pepe se autodenomina, excetuando os 686 gols a mais de Pelé - a quem chama de "ET" pelos 1.091 tentos feitos com a camisa alvinegra -, diz que ainda sonha constantemente em jogar na era mais marcante dos 100 anos do clube. Nada mais normal, o "Canhão da Vila" vê no reflexo da camisa 11 de Neymar o brilho que lhe rendeu marcas e títulos significativos em cerca de 16 anos de clube.
Aos 77 anos, Pepe recebeu o Terra em sua residência, em Santos, quase quatro meses depois das dicas que gostaria de ter dado a Muricy Ramalho para tentar evitar a derrota para o Barcelona, no Mundial de Clubes, no Japão. E quando é esse o assunto ele tem crédito.
"A final (do Mundial) de 1963 (contra o Milan) foi o maior jogo da história do Santos, a partida da minha carreira", lembra o ex-ponta, autor de dois gols na virada heróica por 4 a 2 contra o Milan, com o Maracanã lotado no segundo jogo da final do Mundial Interclubes. O Santos seria bicampeão com um 1 a 0, gol de Dalmo, dois dias depois.
O ex-craque ainda brincou afirmando ter saudades do parceiro Pagão, com quem "fazia 50 gols por temporada", e pede que Neymar aprimore o fundamento que o consagrou.
"O Santos não tem nenhum grande batedor de faltas. Quando conversar com ele pedirei para bater, porque vai desandar a fazer gols. Não tenho nenhuma preocupação que ele passe os meus 405".
Neymar ainda engatinha para a marca volumosa de Pepe - tem 96 gols - mas a dica pode ser valiosa para garantir conquistas no ano do centenário.
Confira, a seguir, a entrevista completa com o eterno Canhão da Vila:
Terra - O Santos está próximo dos 100 anos. Como acompanha o centenário, agora de longe, sabendo que de fato tem parcela considerável na história?
Pepe - Agora é muito mais pela televisão do que no estádio. Prefiro ficar em casa, mas sempre torcendo pelo clube. Continuo alvinegro do mesmo jeito e feliz pelas recentes campanhas. Lógico que quando a fase está brava torcemos para ver se vira, mas agora dá gosto. Sento para assistir sabendo que pode vir um espetáculo.
Terra - Faz muita falta jogar ou dirigir algum time? Ainda pensa, mesmo aos 77 anos, em trabalhar?
Pepe - Hoje aproveito para conviver mais com a família, algo que não tinha muita oportunidade quando fui jogador e treinador. Claro que às vezes dá vontade de voltar a agitar um pouco mais, mas estou tranquilo. Se aparecer alguma proposta para ser supervisor ou coordenador eu toparia. Para ser técnico precisaria pensar dez vezes.
Terra - Ex-jogador nunca se reacostuma, então? E se vê jogando nesse time atual do Santos, por exemplo?
Pepe - Faz falta jogar, muitas vezes sonho que estou jogando, fazendo gols, jogadas bonitas e cruzando para aquela antiga moçada cabecear. É difícil sonhar que estou no banco de treinador, mas agora sei que só posso ficar na torcida.
Terra - E vendo o Neymar com a 11 que você consagrou, o que passa pela sua cabeça?
Pepe - Fico contente porque honrei essa camisa por longos anos. O Neymar não tem as minhas características, possui mais habilidade, por exemplo, mas também cai pelo lado esquerdo. Acho que ficou adequada para ele.
Terra - Sua geração começou muito jovem entre os profissionais: Coutinho, Pelé e outros. Ainda lembra dos seus primeiros dias no clube e de que forma chegou?
Pepe - Eu morava em São Vicente, meu pai tinha uma mercearia por lá. Jogava bola descalço e fui treinar no infantil do Santos. O meu primeiro treino foi em 4 de maio de 1951, não esqueço. O Santos não tinha CT, foi na Vila, fiz um gol logo no primeiro tempo. Quando acabou a atividade, o Salu, técnico, me chamou pelo apelido (Pepe) e falou que gostaria que eu assinasse uma inscrição. Cheguei em casa contente, contei para os meus pais e meu irmão que eu ganharia uma carteirinha de atleta do departamento amador e que poderia assistir aos jogos do profissionais de graça.
Terra - Você já falou isso, mas sua vida pessoal também está diretamente atrelada a do Santos, correto? Isso envolve, por exemplo, a sua mulher. Você a conheceu após um clássico?
Pepe - O meu contato com a dona Lélia (mulher) ocorreu aos 23 anos. Eu já era campeão mundial com a Seleção e ela passava todos os dias em frente a minha casa. Peguei coragem para falar com ela, era muito tímido, após uma boa vitória contra o Corinthians, em 1958. Naquela época podíamos passear tranquilamente, hoje o Neymar não pode ir para canto algum (risos). Estava passeando com os amigos e a vi, ela estava com a prima, e pedi uma carona em seu guarda-chuva. Assim começou. A marcação dela foi firme porque era bastante assediado. Me casei aos 29.
Terra - E a lua de mel pôde ocorrer em meio a maratona de excursões e jogos?
Pepe - O Lula (técnico) falou que eu teria que viajar para jogar contra o Independiente (Argentina) pela Libertadores. Acabamos perdendo, mas eu fui. A Lélia foi a primeira mulher a viajar com o Santos. Falei que só iria nessas condições. Ainda fiquei lá mais alguns dias, fui para Montevidéu, onde tenho parentes.
Terra - Existe alguma lembrança negativa do Santos? O momento mais complicado foi o de parar, em 1969, certo? Como se preparou?
Pepe - Ganhamos tantos títulos que as tristezas foram poucas. Só quando perdíamos alguma decisão. Quando me despedi foi algo preparado, um ano e meio antes os diretores me chamaram, eu com 33 anos, e falaram que me queriam como treinador para trabalhar na base e revelar talentos. Parei em 1969, contra o Palmeiras, e no dia seguinte comecei a outra carreira.
Terra - A final do Mundial contra o Milan foi a grande partida da sua carreira? Em algum momento pensa e não acredita no que aconteceu naquele dia?
Pepe - Foi, aquele jogo foi inesquecível. Havíamos perdido por 4 a 2 em Milão e ainda estávamos sem Zito, Pelé e Calvet. Foi o maior jogo da história do Santos. Perdíamos por 2 a 0 e em 25 minutos fizemos 4 a 2, com dois gols meus de falta. Foi o melhor jogo da minha carreira. Ainda teve outro emocionante, o 7 a 6 contra o Palmeiras, no Pacaembu, pelo Torneio Rio-São Paulo, que virou 5 a 2 para o Santos, depois 6 a 5 para eles e, no fim, marcamos 7 a 6.
Terra - E o gol mais importante também foi um dos dois marcados no Mundial ou existe algum mais especial?
Pepe - Foi contra o Taubaté, no 2 a 1 em 1955, quando o Santos foi campeão após longos anos. Marquei o gol do título com uma arrancada e um chute no canto esquerdo do goleiro. Naquele ano marquei gols em quase todos os jogos na Vila. Dali para frente o Santos se tornou grande, com o Pelé no ano seguinte. O resto da história já sabem.
Terra - Existem grandes times na história como o Real Madrid do Di Stéfano, a Hungria do Puskás, o Carrosel Holandês e o Barcelona atual. O Santos da década de 60 foi o melhor de todos?
Pepe - Acho que foi. O time era excelente do goleiro ao ponta esquerda, muito bom. Só era criticado pela defesa que sofria muitos gols, mas era o preço pela ofensividade. O Zito era o nosso sexto atacante e a nossa defesa contou com grandes jogadores como Gilmar, Mauro e Lima. O Santos da década de 60 foi empolgante, ganhou tudo o que viu pela frente. Além de tudo, mesmo com uma goleada sofrida, nos recuperávamos com muita facilidade. Os tempos são outros, esse Barcelona também é ótimo. As épocas são distintas, mas acho que levamos uma ponta de favoritismo. Creio que contra esse Barcelona seria um jogaço, um 4 a 4 e o Santos ganharia na prorrogação.
Terra - Você brinca ao dizer que é o maior artilheiro da história do Santos. É algo hipotético, mas se o Neymar permanecesse aqui a carreira inteira acredita que poderia ultrapassar os seus 405 gols? E ele, até pelos títulos, uma Libertadores depois de 48 anos, assim como o Pelé já lidera uma era?
Pepe - É possível, mas também não me preocupo com isso. Ele faz gol como quem vai a mercearia fazer compras. É um brilhante jogador. Mas 405 é um número bem elevado, não? Falta bastante. Vamos acompanhar, se ele me passar bato palmas. Acho que essa já pode ser considerada a era Neymar. O destaque é sempre para o melhor do time, um fora de série. O Ganso também é ótimo, viria logo a seguir, mas é a era Neymar mesmo.
Terra - Você acredita que um dos dois, por sinal, encaixaria naquele supertime de vocês da década de 50 e 60?
Pepe - Onde vão entrar no lugar de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe? Não sei onde entraria. O Dorval foi excepcional, só não foi maior porque se mudou para a Argentina e tinha o Garrincha na época, um 'etezinho'. Coutinho também era excelente, parecia o Romário. É ruim comparar épocas, cada um defende a sua.
Terra - Ainda com relação ao Neymar, acredita que falta algum fundamento para ele ou já é completo? Pode bater melhor faltas, por exemplo? E quanto a batida de forte, de longe, é um fundamento que pode ser trabalhado ou é genético?
Pepe - O Santos não tem nenhum grande batedor de faltas. Quando conversar com ele pedirei para bater porque vai desandar a fazer gols. Não tenho nenhuma preocupação que ele passe os meus 405 e fico torcendo para que bata principalmente as da entrada da área. Precisará treinar muito, mas é o mais indicado. A batida de longe, forte, nem o Neymar e nem o Ganso podem. Na minha época, o Lula me falava para 'tirar sangue da bola'. Marquei mais de 70 assim, mas o Santos pode criar especialistas em colocar por cima da barreira. O meu chute era acima do comum, chegou a 122 km por hora, medido por um conversor. Cheguei a receber uma proposta para ser kicker (chutador no futebol americano) em uma das minhas últimas viagens pelo Santos, nos Estados Unidos. Vencemos por 3 a 2 e me fizeram uma proposta boa, cinco vezes mais do que ganhava no Santos. Pensei, balencei, mas não era a minha.
Terra - O senhor foi técnico, sabe bem como escalar um time. Conseguiria os 11 titulares do time dos 100 anos do Santos? Pode ser no esquema que achar mais conveniente.
Pepe -Vou ter que colocar o Pelé na meia, então, para caber todo mundo, mas assim você me complica. Bom, vamos lá: Gilmar; Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Calvet e Dalmo; Zito e Pelé; Dorval, Coutinho, Neymar e Pepe. Está bom?
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