Por "atmosfera olímpica", Londres faz festa um ano antes dos Jogos

Keith Mills LAND. Foto: Getty Images

Keith Mills fala sobre os problemas enfrentados por Londres e sobre festa do dia 27

No dia 27, exatamente um ano antes da abertura da Olimpíada, Londres irá promover uma grande festa. Entre as presenças confirmadas estão Ed Moses, corredor americano medalhista de ouro, Tom Daley, sensação do salto ornamental inglês, além de Jacques Rogge, presidente do Comitê Internacional Olímpico, e Boris Johnson, prefeito de Londres.

Os organizadores do evento têm uma surpresa guardada para a ocasião, disse Keith Mills, vice-presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Em entrevista exclusiva ao Terra, ele fala sobre a dificuldade do país criar uma atmosfera em torno da Olimpíada, dá conselhos ao Rio de Janeiro e destaca as dificuldades que a Inglaterra ainda terá de enfrentar até julho do ano que vem.

Terra - O que podemos esperar das festividades no dia 27 de julho, exatamente um ano antes da Olimpíada?
Keith Mills -
Nós planejamos fazer uma grande festa. De manhã haverá atividades no parque olímpico, na zona leste de Londres, e ao meio-dia a piscina do centro aquático será usada pela primeira vez. À tarde nós teremos atividades na Trafalgar Square, no centro, e a BBC estará lá. Nós temos uma surpresa para revelar mas, é claro, eu não posso falar sobre isso. Nós queremos dizer ao mundo que estamos prontos e aqueles que quiserem vir a Londres para ver os jogos são bem-vindos.

Terra - Como está sendo preparada a segurança destes eventos?
Keith Mills -
Sempre que temos um grande evento em Londres - seja um casamento real, um evento esportivo ou uma festa de lançamento como esta - nós levamos segurança a sério. A nossa equipe de segurança, que inclui a polícia metropolitana de Londres, conferiu e aprovou os nossos planos. A polícia deve tratar esse evento como se fosse uma visita de Estado ou o Carnaval de Notting Hill. Londres promove vários eventos de grande porte e eles podem representar uma ameaça à nossa segurança, então a polícia é acostumada a lidar com essas ocasiões.

Terra - Os Jogos Olímpicos de Atenas custaram caro para a Grécia. Como a Grã-Bretanha está se precavendo para que a Olimpíada não se torne um ônus?
Keith Mills -
Acho que tem dois aspectos que afetam os custos da Olimpíada. Um é infraestrutura física e outro é custo operacional, o custo de tocar os Jogos Olímpicos. O custo operacional para Londres é um pouco acima de 2 bilhões de libras, e grande parte disso é bancado comercialmente. Nós alcançamos a nossa meta de patrocinadores no Reino Unido, que é de US$ 1 bilhão, e agora estamos confiantes que vamos atingir nossa meta de venda de ingressos, que também é de cerca de US$ 1 bilhão de dólares. Nossa cota de arrecadação tem sido de acordo com a expectativa e temos confiança de que vamos superar as expectativas em vendas, produtos, este tipo de coisas. Em outras palavras, não esperamos nenhum tipo de prejuízo operacional.

Terra - Qual é a estratégia para controle dos gastos?
Keith Mills -
Desde o início decidimos construir somente instalações que a cidade precisa. Por exemplo, durante a candidatura, não tínhamos em Londres uma piscina de 50 metros, e por isso construímos uma permanente no centro aquático. Não tínhamos nenhum velódromo em todo o sul da Inglaterra, por isso fizemos um. Para todo o restante, estamos usando locais já existentes, como O2 Arena, que chamamos de North Greenwich Arena, e Excel, que é o espaço de exibição coberto que também será usado para os esportes, além de Wimbledom e Wembley. Para outros casos, estamos usando locais temporários, como o parque de Greenwich, pois não achamos apropriado gastar dinheiro em construir uma estrutura definitiva de hipismo em Londres. O mesmo se aplica a outras situações, como o vôlei de praia. Em Atenas, muitas instalações eram definitivas e isto custa muito caro para construir e manter.

Terra - Quanto está sendo gasto em infraestrutura?
Keith Mills -
Nós dividimos infraestrutura em dois: cerca de 25% de nosso orçamento é gasto em instalações esportivas e 75% é gasto em outras áreas de infraestrutura, na parte mais física, como melhorias de ruas e avenidas. Nosso orçamento é de cerca de 7 bilhões de libras.

Terra - Houve mudança nos planos para o estádio olímpico. Por quê?
Keith Mills -
O plano durante a nossa candidatura era construir um estádio em que a capacidade pudesse ser reduzida de 85 mil para 25 mil assentos depois da Olimpíada. Seria um estádio olímpico que também pudesse ser usado para outros esportes como críquete ou futebol. Mais ou menos há um ano e meio uma organização separada, a Companhia do Legado do Parque Olímpico, responsável pelo uso das instalações depois dos Jogos Olímpicos, começou a discutir com o West Ham sobre o estádio. O plano agora é que o clube mantenha a infraestrutura e use o estádio para futebol. Foi anunciado no início do ano que o West Ham foi o candidato escolhido e agora a companhia está em processo de negociação de contrato com eles.

Terra - E onde serão sediadas as competições de atletismo depois da Olimpíada?
Keith Mills -
No próprio estádio olímpico. A ideia é que o West Ham use o campo do meio do estádio para futebol, com uma pista de corrida em volta, exatamente como é agora. O acordo exige que eles cedam o local para competições de atletismo uns 40 dias por ano.

Terra - Por que vocês decidiram passar uma obra pública para as mãos de um clube privado?
Keith Mills -
Nós não estamos dando o estádio de graça para o West Ham, estamos arrendando, e o clube vai pagar uma taxa e vai arcar com a manutenção. Sem isso, o setor público teria que assumir os custos. É importante ressaltar que isto ainda está em processo de negociação, mas uma vez acertado o West Ham vai pagar uma taxa ao governo. O Tottenham Spurs questionou a validade desta decisão e agora o West Ham quer processar o Tottenham por isso. Eu prefiro não comentar sobre isso, é uma questão legal. Na verdade, o nosso comitê não está envolvido neste processo, é algo entre a a Companhia do Legado do Parque Olímpico e os clubes.

Terra - Tem alguma coisa que vocês podem fazer para ajudar a resolver esta questão?
Keith Mills -
Não. Nossa função é promover a Olimpíada e a Paraolimpíada.

Terra - Você acha que haverá uma seleção britânica de futebol? A Escócia, a Irlanda do Norte e o País de Gales afirmaram ser contrários a ceder jogadores.
Keith Mills -
É claro que vamos ter um time britânico. A Associação Olímpica Britânica confirmou isso e até onde eu sei jogadores da Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales serão convidados para fazer parte da equipe. E as associações de futebol da Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte disseram que não vão se opor se os jogadores quiserem jogar pela Grã-Bretanha.

Terra - David Beckham já disse que gostaria de fazer parte do time. Quem você acha que jogaria?
Keith Mills -
Eu não sei (risos). Ainda bem que isso não faz parte do nosso trabalho.

Terra - Uma pesquisa recente revelou que metade dos jovens britânicos não estão interessados nas olimpíadas do próximo ano. O que vocês estão fazendo para engajar a população?
Keith Mills -
Quando eu pedi para chefiar a candidatura de Londres, a primeira coisa que me perguntaram foi a quantas olimpíadas eu tinha ido. Eu não tinha ido a nenhuma, mas 99,9% da população aqui também nunca passou por isso. E um dos desafios, e isto também serve para o Rio, é que a população não sabe o que está por vir. As pessoas têm dificuldade de imaginar como será. Nós temos vários programas, envolvendo desde escolas a clubes, especialmente para explicar o que está por vir, para engajar a população. Assim como o Brasil, nós somos loucos por esportes. Não tenho dúvida de que quando a tocha olímpica estiver percorrendo o Reino Unido a grande maioria dos britânicos, sejam jovens ou velhos, estarão empolgados e entusiasmados. O mais importante, e acho que isso não será um problema para o Rio porque sempre que vou pra lá e ótimo, é criar uma grande atmosfera. Nós queremos que Londres seja uma grande festa, um lugar divertido.

Terra - Muitas pessoas ficaram desapontadas por não terem conseguido ingressos para ver os jogos e há alegações de que muitas entradas foram para grandes corporações. Como você avalia este processo?
Keith Mills -
Os patrocinadores e corporações receberam 7% dos ingressos. Por outro lado, eles estão pagando por mais da metade do custo dos jogos, então não acho que isso seja injusto. Grande parte desses ingressos vão acabar indo para o público em geral, através de competições, sorteios ou promoções promovidas por corporações. Reconheço que foi um processo meio complicado, mas foi o melhor que conseguimos fazer. Todos foram tratados da mesma forma pelo sistema. O que nos impressionou é que nós tivemos 22 milhões de inscrições para apenas 6 milhões de ingressos, o que deixou muita gente de fora. Mas em setembro nós vamos disponibilizar 2 milhões de ingressos para a Paraolimpíada e no início do ano que vem nós esperamos vender mais entradas para a Olimpíada, quando nós teremos de volta alguns ingressos vindos, por exemplo, de devoluções de alguns países.

Terra - Como será esta segunda etapa de venda de ingressos?
Keith Mills -
Acho que vamos dar preferência àqueles que tentaram pela primeira vez mas não conseguiram, mas estamos ainda finalizando os detalhes.

Terra - Quais são os principais desafios neste processo de organização da Olimpíada?
Keith Mills -
Os dois grandes desafios de Olimpíadas em cidades grandes são segurança e transporte, coisas que nossos colegas no Rio também irão achar. Nós estamos confiantes de que as duas coisas serão bem executadas em Londres, mas nossa cidade grande e complicada, assim como o Rio, então sempre temos algumas preocupações. Além disso, nós passamos pela pior recessão desde os anos 30 e mesmo assim nós conseguimos alcançar nossas metas. Para organizar Jogos Olímpicos é preciso enorme cooperação do governo, da cidade, de todas as autoridades de transporte, da polícia, do Comitê Nacional Olímpico, enfim, envolve muita coisa.

Terra - Que conselho você daria para os organizadores brasileiros?
Keith Mills -
Fazer o máximo o mais rápido possível. Quanto mais tarde, mais caro e mais arriscado fica. Nós tocamos um grande projeto de construção nos últimos cinco anos. Começamos tudo rapidamente e ficamos na frente do cronograma o tempo todo, o que nos permite agora promover eventos teste nas novas instalações. Sem querer ser crítico, o telhado do centro aquático em Atenas nunca foi finalizado por falta de tempo. São sete anos entre a candidatura e os Jogos. Parece bastante, mas passa muito rápido.

Terra - O que ainda falta ser feito?
Keith Mills -
Os grandes eventos nos próximos meses serão o lançamento da campanha de vendas dos ingressos para a Paraolimpíada e a finalização do processo todo de venda de ingressos. Temos ainda que terminar o recrutamento de voluntários. Nós tivemos 250 mil inscrições, entrevistamos 100 mil pessoas e estamos recrutando 70 mil voluntários. O revezamento da tocha olímpica também será importante. Ela irá percorrer o Reino Unido 70 dias antes dos jogos. Estamos avançados nos planos para isso e já anunciamos as cidades por onde irá passar.

Todos os testes já estão acontecendo. Na semana passada tivemos um evento no parque de Greenwich para testar as provas de hipismo e haverá mais testes praticamente todas as semanas. Eu vou para Weymouth (na costa sul da Inglaterra) para o evento de vela em agosto. Nos próximos 12 meses nós vamos testar sistemas, instalações, transporte. E então nós iremos nos concentrar na Olimpíada Cultural, um enorme evento cultural que começa três meses antes das olimpíadas e abrange todo o Reino Unido. Nós teremos uns 300 eventos, exibições e performances nesse festival, onde será mostrada nossa arte, nossa cultura, moda e música. Vai ser impressionante.

Terra - Qual vai ser a herança deixada pelos Jogos Olímpicos de 2012?
Keith Mills -
Quando nos candidatamos para sediar as olimpíadas e estávamos tentando convencer a população de que valeria a pena, eu descrevi os Jogos Olímpicos como um catalisador de desenvolvimento na história de um país. A parte leste de Londres não se desenvolvia por 50 ou 60 anos e, honestamente, sem a Olimpíada não haveria melhoria. Eu gostaria de pensar que o evento no ano que vem vai nos trazer confiança para sair da recessão. Acho que o país vai ter grandes benefícios econômicos, embora quantificar isso agora seja difícil. Acho que também teremos benefícios sociais, principalmente no que diz respeito a esportes.

Como está sendo o trabalho com os brasileiros?
Keith Mills -
Nós estamos trabalhando juntos. Eu estive com Carlos Arthur Nuzman (presidente do Comitê Olímpico Brasileiro) em Durban, na África do Sul. Nós iremos receber uma delegação brasileira lá por setembro. No ano que vem, uma grande delegação virá do Rio para observar a Olimpíada. As nossas equipes e o pessoal do Brasil irão trabalhar juntos em departamentos diferentes - nos esportes, nas instalações, no transporte, na parte de serviços e na segurança. Os brasileiros irão aprender com a gente assim como aprendemos em Pequim. Nós mandamos uma equipe de 120 pessoas para acompanhar a Olimpíada passada.

Reportagem especial do Terra

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