Dustin Brown, o mais competente jogador de tênis da história da Jamaica, nasceu na Alemanha e foi treinado por um norte-americano antes de dar os toques finais ao seu jogo perto da pitoresca costa de Montego Bay.
Ele continua a ser um homem de influências sofisticadas, fluente em alemão e inglês, com dreadlocks muito característicos e um estilo que privilegia saques e cortadas fortes. Mas a ascensão de Brown para os 100 mais do ranking, sua primeira participação no torneio de simples de Wimbledon e uma carreira que começou a florescer tardiamente se originam todas de um veículo improvável - uma perua Kombi.
"Aquela Kombi era basicamente a minha última chance", disse ele no domingo, antes de sua partida de primeira rodada com Jürgen Melzen, o cabeça de chave número 16.
Os pais de Brown compraram a Kombi em 2004. Inge Brown e seu marido trabalhavam com turismo na Jamaica, e ainda que seus empregos bancassem as necessidades básicas da família, estavam longe de ser ricos.
Inge sentia ter sido abandonada pela federação jamaicana de tênis e que o custo crescente da carreira de seu filho no esporte estava se tornando inviável. Pelo menos até que uma ideia lhe ocorreu certa noite, enquanto ela contemplava o oceano, tomando uma cerveja na praia. Inge decidiu que compraria uma Kombi para o filho. Ele poderia viajar pela Europa e jogar futuros torneios, tudo isso por despesas de apenas 100 euros, em certos casos.
"Talvez tenha sido Deus quem me disse que uma Kombi seria a resposta para tudo", ela afirma. "Não sei. Mas foi assim". A Kombi era maior que alguns apartamentos de Manhattan; a carroceria especial para camping incluía um banheiro, uma cozinha e três leitos. Brown fez do espaço a sua casa. Acrescentou um computador e uma máquina para repor o encordoamento de suas raquetes, e decorou as paredes com fotos.
A placa personalizada de licença conseguida na Alemanha oferecia o toque final: um lembrete de sua meta. A placa dizia CE DI 100 ¿CE para Celle, a cidade natal de Brown na Alemanha; D para Dustin; I para Inge; 100 para o posto no ranking que ele pretendia atingir e ultrapassar.
Brown jogava o máximo possível de torneios em um mesmo país, a fim de reduzir despesas. Ele passou quase um ano jogando na Alemanha, e no ano seguinte se concentrou na Itália. Sua existência cotidiana dependia em larga medida de resultados. O dinheiro ganho era destinado primeiro à gasolina e equipamento, e às necessidades básicas. Em seguida, à comida. Ele muitas vezes comia macarrão que preparava no furgão, muitas vezes semanas a fio. Se jogasse bem e ganhasse mais dinheiro, ocasionalmente podia gastar mais em restaurantes.
Brown admitiu que houve momentos ruins, noites passadas em claro, dias em que imaginava se as coisas um dia melhorariam, se aqueles sacrifícios um dia acabariam.
O momento decisivo não veio em um torneio, partida ou ponto específicos, mas sim nos seis anos passado lá embaixo no ranking, lutando pela sobrevivência. Brown, que completa 26 anos em dezembro, descreveu o processo como "continuar em frente sem parar, tentando, acreditando e esperando que, sei lá, mais ou cedo ou mais tarde, alguma coisa, qualquer coisa, aconteceria".
As mudanças cruciais surgiram nos dois últimos anos. Brown se saiu muito bem no circuito ATP Challenger em 2009, chegando à final em quatro torneios. Brown começou a derrotar tenistas com classificação mais elevada.
Por fim, Brown atingiu a posição mais alta que um jamaicano já conquistou no ranking da ATP (o 99° posto ¿no momento, ele está na posição 105). Chegou a Wimbledon como talvez o primeiro jogador de simples caribenho a participar do torneio em mais de quatro décadas, se bem esse fato não esteja confirmado.
Perguntado se imaginava que as coisas aconteceriam assim, Brown riu e respondeu com simplicidade: "Não".
Ele viveu na Alemanha entre 1984 e 1996, com seu pai jamaicano, Leroy, e sua mãe alemã, Inge. Ela estava ao lado do filho no domingo ¿a mãe de cabelos loiros, o filho com seus dreadlocks.
A família vivia confortavelmente na Alemanha e Brown aprendeu tênis sob a orientação de Kim Michael Wittenberg, um técnico norte-americano expatriado. Brown diz que tudo que sabe sobre o tênis foi aprendido com Wittenberg.
Tudo mudou quando a família se mudou para Montego Bay. Brown receia pouco dinheiro e treinava em geral em quadras públicas de pavimento rachado, sem oponentes à altura, usando qualquer bola "que fosse amarela e quicasse". Quanto mais ele aprendia, quanto mais torneios vencia, mais acesso ele conquistava a recursos de tênis. Isso deu início à prolongada disputa entre a família de Brown e a federação jamaicana de tênis. Em um país que deu origem ao mais veloz corredor do mundo -Usain Bolt-, atletismo, futebol e críquete são os esportes mais financiados. O tênis, como Brown descobriu, não consta das prioridades.
Ele diz que em geral recebia apenas uma mensagem por ano da federação de tênis, em geral um bilhete via e-mail perguntando se ele estaria disponível para a Copa Davis. Também culpa a federação por não ter suas realizações divulgadas no país, e diz que seu pai só descobriu que o filho havia chegado a Wimbledon quando ele telefonou.
O pior momento surgiu na sexta-feira, quando Brown recebeu um e-mail do presidente da federação, congratulando-o por sua "chegada à repescagem de Wimbledon". Na verdade, Brown, que quando da formação das chaves do torneio ocupava a 101ª posição no ranking, conquistou acesso direto, depois que alguns outros jogadores se retiraram do certame devido a lesões. Ele classificou a mensagem como "chute na cara".
Brown diz esperar que as coisas mudem no futuro, mas por enquanto só Wimbledon importa. Mesmo sua mãe diz que "parece irreal, quase um sonho". Brown acrescentou que era um sonho que teria morrido sem o apoio dos pais.
A Kombi continua guardada na Alemanha, e Brown ainda a utiliza quando vai ao país, para ir aos treinos, ao cinema ou ao supermercado. Mesmo agora, o veículo serve como lembrete sobre suas origens.
"Quando vejo a Kombi, acredito que tudo é possível", diz Inge Brown. Os Brown terminaram de pagar a Kombi no começo deste ano. Na semana seguinte, seja ou não obra do destino, Dustin chegou aos 100 mais do ranking.
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