Demissão de Cuca reabre discussões sobre parceira no Flu

Cuca viu uma péssima atuação de sua equipe contra o América-RJ Foto: Marino Azevedo/Photocâmera/Divulgação

Saída de Cuca é exemplo da influência de patrocinador no Fluminense

Um plano de saúde assegura ao seu cliente atendimentos médicos e de emergência. No caso do Fluminense e seus combalidos cofres, a Unimed, patrocinadora do clube, garante contratações de peso, paga a maior parte dos salários do elenco e da comissão técnica e concede empréstimos. Financeiramente, porém, o time tricolor respira por aparelhos e a relação que já dura 11 anos gera muitos questionamentos.

A demissão de Cuca - querido pela torcida e pelos jogadores e já com a classificação na Copa do Brasil bem encaminhada - ressuscitou a discussão da interferência do presidente da empresa, Celso Barros. A escolha de Muricy Ramalho, que será o novo técnico, foi dele.

"Criaram uma lenda de que é o Celso quem decide. Nunca aconteceu de uma decisão ser tomada sem o aval do clube", garante Celso Barros. No mundo do futebol e da medicina, porém, é sempre melhor ouvir uma segunda opinião. "Infelizmente, ele quer ser presidente do clube, não apenas da marca. Deveria até se candidatar. Ele manda no Fluminense", afirma o vice-presidente geral da equipe tricolor, José de Souza.

Em 1999, a Unimed firmou compromisso com o Fluminense, quando o time estava na UTI da terceira divisão do Brasileiro. No início, a parceria foi vista com bons olhos. De lá para cá, 11 anos e muitos milhões investidos depois, a história do time caminhou junto com a patrocinadora. E as conquistas foram homeopáticas: a Série C de 1999, os Estaduais de 2002 e de 2005 e a Copa do Brasil de 2007.

Uma longa lista de jogadores de peso foi bancada - com os salários pagos - pela empresa: Romário, Petkovic, Edmundo, Ramon, Dodô, Conca, Washington, Fred, entre outros. Mesmo com alguns rendendo abaixo do esperado, até adversários de Celso reconhecem que, sem o apoio da patrocinadora, contratações importantes não seriam possíveis. Fred, por exemplo, recebe R$ 400 mil da Unimed.

A escolha de técnicos também passa por Celso Barros. Ano passado, por exemplo, num momento delicado do time no Brasileirão, Celso decidiu pela contratação de Renato Gaúcho, seu amigo. A cúpula do futebol - incluindo o presidente Roberto Horcades, também um médico - era publicamente contrária ao nome do técnico, que agravou a situação do time.

No caso Cuca, o vice de futebol, Alcides Antunes, queria que o treinador continuasse, se posicionou a favor dele e garantiu em público sua permanência. Há uma semana, o dirigente foi comunicado por Celso que deveria demitir Cuca, o que aconteceu segunda-feira, evidenciando que o diagnóstico decisivo é da patrocinadora. "O aproveitamento do Cuca em clássicos foi de 26%. É ruim", justifica Celso. No cômputo geral, Cuca comandou o time em 45 jogos, com 27 vitórias, 12 empates e seis derrotas, um aproveitamento de 67,4%.

O dinheiro injetado pela empresa - calcula-se que seja cerca de R$ 2 milhões por mês - não foi usado pelo clube em estrutura. O Centro de Treinamento na Barra, que já foi de Flamengo e Vasco, seria comprado pela Unimed, que usaria as instalações para clínicas de fisioterapia e cederia um espaço ao Fluminense. "Se a Unimed sair, o clube não vai afundar, como ele diz. Flamengo, Vasco e Botafogo ficaram tempos sem patrocinadores e sobreviveram", diz o vice José de Souza.

Patrocinadora tem lucros exorbitantes

Enquanto a Unimed faz cálculos otimistas do retorno que tem ao estampar a marca da empresa no uniforme do Fluminense, o clube cada vez mais se afunda em dívidas. Contas feitas pelo presidente da patrocinadora mostram que, em momentos de grande exposição - como na decisão da Libertadores de 2008 -, para cada R$ 1 aplicado chega-se a um retorno equivalente a R$ 50 investidos em mídia, de forma espontânea.

Nessa multiplicação, entram apenas as inserções da marca em jornais, programas de televisão, revistas e sites. "Nos momentos em que o time está em evidência, a visibilidade da marca Unimed é maior e mais positiva. Costumo dizer que essa exposição no futebol é como um outdoor ambulante", afirma Celso Barros.

Já o Fluminense tem a contrapartida de contar com um bom elenco, embora nem sempre. Mas o clube viu suas dívidas aumentarem e sofre com contratempos - o que não deve necessariamente ser debitado na fatura da Unimed. Recentemente, uma pendenga de R$ 250 mil com Arouca acabou na Justiça e o clube foi proibido de registrar novos jogadores. Já o zagueiro Dalton pediu desligamento do clube alegando que R$ 13 mil do Fundo de Garantia não haviam sido depositados.

Números auferidos pela consultoria Casual Auditores e publicados no site Futebol Finance mostram que o Fluminense é o terceiro maior devedor entre os clubes brasileiros, atrás apenas de Vasco e Flamengo. Segundo o levantamento, atualmente a dívida do clube tricolor é de R$ 320,7 milhões. De 2006 a 2009, o Fluminense conseguiu o feito negativo de quase dobrar a conta: em 2006, o rombo era de R$ 166 milhões. "Entre o Fluminense e a Unimed não existe relação de interesse mútuo. Existe, sim, humilhação permanente", diz Ricardo Tenório, demitido do cargo de vice de futebol no início da temporada.

No pagamento de salários do elenco, a Unimed arca com os valores que excedem R$ 50 mil. Fred, por exemplo, recebe R$ 400 mil: R$ 50 mil bancados pelo clube e o restante pela patrocinadora.

"Se quiserem, a Unimed deixa o Fluminense", diz Celso Barros

Celso Barros é fanático pelo Fluminense. No seu acervo, guarda com carinho fotos do príncipe Charles e do presidente Lula com a camisa verde, branco e grená. Desde 1999, Celso saiu da torcida para fazer parte do dia a dia do clube, decidindo contratações e rumos do seu time, da mulher e dos filhos. Ele acredita que é possível conciliar o torcedor com o patrocinador. Ao responder sobre questionamentos da sua interferência no futebol, a resposta é na base do tratamento de choque: "se quiserem, a Unimed deixa o clube".

"Muita gente esquece que começamos na Série C. Em 2008, depois de 23 anos, disputamos uma Libertadores e chegamos à final. Conquistamos títulos. Existem críticas maldosas. Se eu saísse enumerando uma série de coisas... quem entende sabe que a parceria é positiva. Mas tem quem pense que deixar o patrocínio sair tornará a vida melhor, então...", diz Celso. "No fim do ano, terá eleição. O contrato vai até dezembro com possibilidade de renovação. Se o novo presidente não quiser, se eu não quiser... as partes estão à vontade para não renovar. Estamos há quase 12 anos no clube, é preciso respeito."

Há quem diga que o lado torcedor de Celso Barros se sobrepõe ao profissional - ele chegou a ser vice de futebol na gestão de David Fischel. "Dá para conviver bem com o fato de ser tricolor e patrocinador. O patrocinador investe e participa, mas escutando a opinião de todos. Fazemos esforço para caminhar juntos, sabendo que podemos ter equívocos".

Pela força da função, Celso sempre está no meio de polêmicas. Oswaldo de Oliveira deixou o clube acusando-o de querer manter Petkovic no time. Renato Gaúcho e o provável Muricy Ramalho foram escolhas suas, muitas vezes contra a vontade do presidente Roberto Horcades, com quem Celso já bateu de frente diversas vezes.

Sobre a demissão de Cuca - questionada pelos tricolores -, ele explica: "ele aceitou nosso convite num momento difícil. Tenho respeito pelo Cuca, que até deixou uma mensagem carinhosa no meu celular. Ele é meu amigo. Isso acontece no futebol, não tinha mais o que fazer".

Cuca tinha apreço por Celso, mas, pouco antes de sair, o criticou nos bastidores pela demora no posicionamento oficial sobre Muricy, já que o técnico dizia saber do interesse de Celso em contratar um substituto.

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